Conhecer Milheirós de Poiares é uma iniciativa da Associação Abraçar Milheirós de Poiares e a sessão de encerramento da quarta edição deste projeto decorreu no dia 29 de abril de 2017, no Centro Cultural de Milheirós de Poiares.
O encontro abriu com a leitura de uma poema sobre teatro e logo de seguida subiram ao palco, para uma conversa moderada pela presidente da Associação, Albina Almeida, os convidados: Sérgio Perestrelo, Amélia Silveira, Vitória Costa, David Pinto e Vitorino Neves.
Ao longo das intervenções que cada um foi desenvolvendo foi possível perceber o quanto teatro foi e é importante nas suas vidas e para a promoção cultural desta terra. Este foi um momento singular, dado que ao testemunho escrito que já nos tinham feito chegar juntou-se naquele momento a emoção das palavras ditas e acompanhadas pelo gesto e pelo olhar que regressaram ao passado para dele voltar repletas de saudade e orgulho.
Na verdade, no
presente ano, propusemos como tema inspirador “O teatro em Milheirós de
Poiares”. E mais uma vez desafiamos todos os interessados a escrever ou a
fotografar no âmbito deste tema. Paralelamente, convidamos muitos dos
milheiroenses, que fizeram ou fazem parte dos grupos de teatro existentes nesta
freguesia, a registarem as suas memórias, o seu testemunho, sobre a sua
participação nesta nobre e distinta arte de contar histórias.
Confesso
que o teatro é uma forma de expressão que muito me cativa dada a complexidade
das linguagens que lhe dão forma. Eu diria que é no palco que o texto dramático
ganha vida, no momento em que a linguagem verbal contracena com outras
linguagens não verbais: que maravilha quando funcionam a uma só voz as
palavras, o movimento, o gesto, o adereço, a luz, o som, a música, a imagem, a
cor. Enfim, encenar acarreta pois conjugar todos estes elementos de forma a que
todos eles contem uma história harmoniosa e cativante. Encenar será todo este
trabalho de transformar um texto dramático em espetáculo.
Por
estas razões tem sido para mim um privilégio contactar com os testemunhos,
dezenas de testemunhos que nos fizeram chegar. É certo que não asseguram
totalmente a história do teatro em Milheirós, mas constituem, sem dúvida, um
valioso contributo nesse sentido e que vale a pena conhecer e cruzar com outras
fontes conhecidas ou a descobrir.
O
testemunho solicitado teve por base um inquérito composto por sete questões e,
da análise possível até ao momento, penso que será oportuno destacar aqui algumas
informações ainda que de forma abreviada por uma questão de tempo e
oportunidade.
Assim,
relativamente à questão seis, onde se solicitavam propostas e sugestões,
destaco a necessidade de as peças se adaptarem “melhor ao nosso meio, à maneira
de estar do nosso povo”. Nesse sentido, sugere-se que se invista em peças
cómicas, atuais e cativantes, musicais e comédias que retratem os problemas da
atualidade, procurando corrigi-los através do riso, na linha da expressão
latina “ridendo castigat mores”.
Pede-se
também que não se deixe morrer esta tradição muito antiga, como se pode inferir
da notícia publicada no jornal “Progresso da Feira” no dia 4 de abril de 1910,
onde se lê:
“Como sempre todos
representaram muito bem” referindo-se ao “Grupo Dramático” desta freguesia que
tinha posto em cena “um lindo drama” e “uma engraçada comédia” no domingo de
Páscoa.
Sugere-se
ainda que não se percam as pessoas do teatro por motivos políticos e que não se
criem mais barreiras como acontece com a dificuldade em aceder aos espaços de
representação.
Não
posso deixar de referir ainda a
necessidade de o teatro continuar a contar com encenadores apaixonados que
promovam a formação, a
necessidade de as entidades oficiais disponibilizarem meios e verbas e
a necessidade das famílias mostrarem disponibilidade para participarem
ativamente na arte de Talma.
Por
último, no âmbito do item sete do questionário, é impossível não partilhar dois excertos dos testemunhos que recordam momentos hilariantes
do teatro em Milheirós.
O primeiro da autoria de Carlos
Almeida:
“Ao
representar a peça “O Bruxo”, eu fazia de rapaz que andava com o demónio no
corpo e, para me curar, o meu pai (Ernesto Rodrigues) levou-me ao Bruxo
(António Bastos). O Bruxo fez umas rezas e atirou para cima de mim tanta arruda
e alecrim que fiquei intoxicado e maldisposto pelo que tive de ser assistido no
Hospital de São João da Madeira.
Quem
me levou lá foi o Serafim Tavares e, logo que entrei no consultório a cheirar a
arruda e a alecrim, o médico virou-se para o Serafim Tavares e disse-lhe:
-
O senhor vá à bruxa que o pôs neste estado, pois nós aqui no hospital não
tratamos de casos de bruxaria.
Convencido
que tinham sido mesmo coisas de bruxedos. Só a muito custo o Serafim Tavares
convenceu o médico de que se tratava de uma situação passada numa peça de
teatro e que houve um exagero por parte de um ator.
Então
o médico, finalmente, lá me atendeu e o Serafim Tavares no final ofereceu
bilhetes a esse médico, que vivia no Porto, para vir cá assistir ao espetáculo.
O médico aceitou e fez questão de vir ao teatro a Milheirós e confirmou que o
bruxedo fazia mesmo parte da representação.”
O segundo da autoria de Manuel
Paiva:
“Esbarrámos
algumas vezes com as exigências dos fiscais dos chamados «Direitos de Autor» e da necessária licença da Câmara Municipal para
podermos fazer os espetáculos. Mas numa noite em que apareceram os fiscais à
porta do Salão Paroquial a pedir as ditas licenças, antes de começar o
espetáculo, eu apareci, de bata branca (pois estava a fazer as caraterizações e
não me queria sujar com o pó de arroz) cumprimentei-os amavelmente, e apenas
lhes disse:
-
Os bilhetes já foram vendidos, o dinheiro é para as obras da igreja e já está
guardado. Podem entrar, subir ao palco e mandar embora todas as pessoas. Mas
recomendo que entre só um, porque, o que ficar aí fora, ainda se poderá
safar...
Olharam
um para o outro e ficaram sem palavras... Eu voltei para dentro para continuar
o serviço de que me estava a ocupar...
Foram-se
embora, e nós continuámos a fazer espetáculos... Nunca mais apareceram fiscais!...”
Voltando à sessão de encerramento e terminada a agradável conversa entre os convidados, foram apresentados os trabalhos vencedores do concurso, que se publicam em anexo a esta notícia, a que se seguiram três apontamentos dramáticos: o primeiro da responsabilidade dos alunos do 4.º ano da EB1-Igreja, muito bem orientados pela Prof.ª Lúcia, o seguinte preparado pela Ritus e o último pelo Grupo Cénico "Os Velhos".
Como não podia deixar de ser, a noite terminou com um aplauso dedicado a todos aqueles que participaram no teatro, em especial a uma figura ímpar cujo valor todos reconhecem: Manuel Soares Gomes.
A presidente da Associação convidou ainda todos os interessados a participar na Eucaristia do Domingo seguinte, onde se rezou por todos aqueles que se envolveram ou envolvem ativamente na promoção do teatro em Milheirós. A Eucaristia foi presidida por D. Carlos Azevedo que revelou um carinho especial por esta atividade, lembrando a sua intervenção em algumas peças bem como a oferta de várias centenas de livros à biblioteca pública de Milheirós de Poiares.
Resta apenas dizer “Viva o
Teatro em Milheirós de Poiares!”