Modalidade - fotografia
1.º ciclo de escolaridade
Fonte dos Desejos
Gonçalo, Inês,
Iva, Ivo, João Paulo, Matilde Talhas, Rita
3.º ano, EB1
Igreja
Milheirós de Poiares
Refúgio
João Pedro,
Leonardo, Mafalda, Matilde Jorge, Sara, Tânia, Sandra
3.º ano, EB1
Igreja
Milheirós de Poiares
Fonte das Quatro Bicas
Américo Pinho,
Ana Filipa, Beatriz Amorim, Bernardo Tavares, Bruna Almeida, Daniela Ferreira,
David Rodrigues, Fabiana Leite, Filipe Silva, Henrique Moreira, Ivo Cruz
4.º ano, EB1
Igreja
Milheirós de
Poiares
Adultos
No limite do tempo – A Luz
Bruno Miguel Graça
Santos Pinho
32 anos, Engenheiro Informático
3.º ciclo de escolaridade
Um Abraço
que chegou tarde
Manuel Santos pede
ao taxista para encostar o carro ali. Ainda se recorda da padaria do Pereiro
apesar de ter emigrado durante cerca de 50 anos. Acaba de chegar do Brasil e
nem sequer sabe ainda se tem cá família viva.
Entra no estabelecimento,
come um bolinho e toma um café. Está ansioso por saber se a padaria ainda
pertence ao Sr. Manuel Padeiro. Manuel decide ficar ali sentado durante algum
tempo para ver se reconhece alguém que vá entrando. Manuel trabalhara na
Molaflex entre 1960 e 1965, ano em que decidiu emigrar para o Brasil, convidado
por um tio que explorava o negócio de padarias em Belo Horizonte.
Mas sem mais
demoras decidiu avançar com uma pergunta a uma das empregadas:
- Esta padaria
ainda pertence à família do Sr. Manuel e da Sr.ª Encarnação?
A
empregada fica surpreendida com a
pergunta do homem e responde:
- Esta padaria
já não é dos donos que o senhor conheceu. Esses senhores já faleceram há uns anos. Mas afinal quem é que o senhor procura?
O homem não
responde, fica em silêncio com ar pensativo, mas a empregada
insiste.
- O senhor
afinal para onde vai? Está aqui há mais de uma hora, é quase meio dia e onde é que vai almoçar?
- Os senhores
servem aqui refeições? - pergunta o “brasileiro”.
- Sim pequenas
refeições... Uma sopa e mais qualquer coisa - responde a empregada.
- Então
traga-me uma sopa e um prego no prato.
Enquanto
esperava pela refeição entra um senhor
que Manuel parece reconhecer e dirige-se a ele:
- Ouve, tu não
és o Augusto Tavares?
Este fixa o
homem por uns momentos e, apesar de não
se verem há tantos anos, dispara:
- E tu não és o Manuel Santos...Pois és!
Abraçaram-se,
ficaram ali por uns momentos quase sem palavras até que o Augusto lhe diz:
-Olha que
pensava-se por cá que já tinhas morrido. Já se passaram tantos anos sem
notícias.
- É verdade que
não dei notícias mas também não recebi notícias. Por isso vou precisar que me
contes tudo o que se passou por cá nos últimos 50 anos.
- Prometo. Mas
ouve cá. Porque vieste só agora que já
não tens cá família viva?
- Estás a dizer-me
que a minha mãe já morreu ?
- É verdade -
responde Augusto.
- Já previa,
algo me dizia isso - diz Manuel baixando
a cabeça.
Fez-se um
silêncio para logo de seguida Manuel com
voz determinada afirmar:
- Mas,
para além da minha Mãe, há também uma razão muito forte para eu ter
vindo a Portugal. Há aqui uma pessoa
a quem eu queria dar um abraço antes de morrer.
Entretanto a
empregada que já tinha colocado a toalha e os talheres pergunta:
- Sr. Manuel, já posso começar a servir a
refeição?
- Sim.
Acabada a
refeição, Manuel levanta-se e vem até
cá fora fumar um cigarro e contemplar uma vista que lhe era familiar, pois fora ali no lugar do
Pereiro que nasceu e viveu até ir para o Brasil.
- Olha... Ali era o
estaleiro do Sr. Carlos Leão. Mas está tudo abandonado, possivelmente
também já morreu. Construções novas ali
em baixo. De quem serão? Já não conheço nada - e mais uma vez
interrogava-se - Será que fiz bem em vir ?
Com a notícia da morte da minha
Mãe, sinceramente, que vim eu cá fazer?
Mas eu tinha que vir por outra razão muito forte..
Augusto
convida-o para ir a sua casa. Desceram e em 5 minutos estavam em casa de
Augusto. A mulher deste, que já sabia da presença de Manuel e o esperava à entrada,
convida-o para entrar, cumprimentam-se
, serve-lhe um cálice de vinho do Porto. A mulher de Augusto não esperou nem um
segundo e perguntou:
- Então, Sr.
Manuel, conte-nos o que foi a sua vida
lá pelo Brasil. Afinal o senhor saiu de
cá há 50 anos e nunca mais tivemos
notícias suas.
- Bom. Seriam
precisas muitas horas, talvez dias para lhes contar a minha odisseia
lá pelo Brasil, mas vou tentar fazê-lo
de forma resumida - afirma Manuel.
Já se tinham
passado cerca de duas horas quando
Manuel, já com a voz arrastada pelo cansaço e também emocionado, dá por terminada a narrativa, rematando:
- Aqui
tiveram de forma resumida o que foi a
vida deste homem em cinquenta anos de Brasil.
- Pois
estamos admirados por tudo o que nos contou - disseram quase ao
mesmo tempo Augusto e a mulher - Foram de facto anos muito difíceis.
- Mas depois de
tudo o que passaste por lá ainda tiveste forças para vir a Portugal? -
perguntou Augusto que quis saber também o motivo muito forte para além da Mãe .
- Pois, amigo Augusto,
a razão para vir a Portugal, para além da minha Mãe, é que eu não queria morrer
sem vir dar um abraço ao Sr. Ruy Moreira, pessoa que jamais esquecerei.
Augusto e a
Esposa trocaram um olhar, ficam arrepiados ao ouvir esta confissão e Manuel ao
ver as suas expressões pergunta:
- Mas o que é
que se passa? Que reação estranha a
vossa.
Augusto
interrompe e não o deixa continuar a
falar:
- Manuel, não
vai ser possível estares com o Sr. Ruy Moreira. Ele já faleceu.
Fez-se um
silêncio prolongado, Manuel levantou-se deu alguns passos e exclama:
- Não é
possível. Andei anos a preparar esta
viagem, com sacrifício, amealhei os reais necessários para a passagem e levo
com este balde de água fria? Eu que agora, depois de minha Mãe,
só tinha este objetivo, levo mais esta facada?
- Mas diz-me,
Manuel, por que razão tinhas esse
objetivo?
- Augusto, eu
sou um homem grato a quem me fez bem. Por isso
queria estar com o Sr. Ruy Moreira nem que fosse só para lhe dar um
abraço e agradecer-lhe os anos felizes
que passei na Molaflex e o que fez por mim enquanto lá trabalhei. Foi um amigo.
Lembro-me quando o meu Pai esteve doente e
o Sr. Ruy Moreira ter ido ao meu
encontro para me perguntar se havia dificuldades em dinheiro para medicamentos. São atitudes
que nunca esquecem.
Augusto e a
mulher que chegaram a trabalhar os dois
na Molaflex iam acenando com a cabeça.
- Eu, quando regressava à
Fábrica, depois de ter feito as entregas, como sabem, fui sempre
motorista de longo curso, o Sr. Ruy Moreira, sabendo
que eu estivera fora, vinha saber como tinha corrido a viagem - diz
Manuel com a voz embargada por estar a
recordar estes momentos tão marcantes. E continuava - Passava por mim em qualquer
lado da Fábrica, estendia a mão a
cumprimentar e a perguntar pela saúde da Família. Mas o que mais me
marcou foram as palavras no dia em que me fui despedir.
- Então o que
foi? - pergunta curiosa a mulher de Augusto.
- O Sr. Ruy
Moreira contemplou-me e de seguida disse
algumas palavras que me marcaram e
acompanharam estes anos todos. “
Vais sair porque estás convencido que é
a oportunidade da tua vida. Se continuares cá sei que ficas contrariado e a pensar que te cortei as pernas. Podia
oferecer-te mais dinheiro para ficares, mas
não quero arrastar comigo esse peso. Mas há uma coisa que te digo. No dia em que não te sentires realizado, seja
em que parte for do mundo, nesse dia só tens que me contactar pois regressas
imediatamente. Não quero que tenhas dificuldades por um
só dia”. Pois, amigo Augusto, foram estas palavras que andaram comigo uma
vida inteira. Quantas vezes tive vontade
de telefonar principalmente nos dias em que passei fome. Mas faltou-me
coragem. Mas ouve, há quanto tempo
faleceu o Sr. Ruy Moreira?
- Morreu cedo,
com 69 anos no ano 2000. Já lá vão 15 anos - diz Augusto em voz baixa.
Foi então que
Augusto aproveitou para contar a vida do Sr. Ruy Moreira e o sucesso da
Molaflex após a saída de Manuel:
- Olha,
Manuel, a Molaflex nos anos sessenta
atingiu uma dimensão enorme, estando nessa altura no lote das maiores empresas do País. O Grupo
Molaflex, que agregava dezenas de empresas dava emprego a mais de três mil
pessoas. O Sr. Ruy Moreira era considerado um dos empresários de elite com mais sucesso em Portugal. O Grupo continuava a crescer e alargou a sua área de negócios. Tinha Empresas em
Angola, em Moçambique, em Espanha e por aí fora. Entretanto acontece a
revolução do 25 de Abril e a Molaflex
como aliás todas as grandes empresas estavam com grandes investimentos. Há
uma forte instabilidade nos governos de
então e alguns empresários, entre eles o Sr. Ruy Moreira, são perseguidos sem
razão.
- E os
empregados permitiram? - pergunta Manuel indignado.
- Nesses anos houve
muitos exageros por parte dos militares que tinham o poder, mas em boa verdade os empregados estiveram sempre ao
lado do Sr. Ruy Moreira, mas vivia-se um
período revolucionário. Depois aconteceu
o falecimento inesperado do irmão Mário, a perda de saúde, os desgostos por
tudo o que lhe fizeram. Viu-se assim na necessidade de vender parte do
capital da Empresa.
- A Molaflex já
não é da Família Moreira?
- Não . Eu
agora não sei muito da Fábrica porque reformei-me e a empresa já nem se chama Molaflex - responde Augusto - O
capital agora é todo estrangeiro. E continua:
-Eu vivi de perto muitos anos com a Família
Moreira e especialmente com o Sr. Ruy Moreira, e sei a grandeza deste Homem com H grande. O
amor que tinha a Milheirós. A satisfação que tinha por saber que dava emprego a
tantas famílias de Milheirós. A
disponibilidade que mostrava sempre que era necessário colaborar em qualquer
iniciativa da Freguesia, fosse para a Escola ou para a Igreja ou sempre que lhe
era pedido o espaço da Quinta do Seixal
para qualquer evento. Tinha uma grande
preocupação para que os filhos preservassem a Quinta.
- Onde é que
está sepultado o Sr. Ruy Moreira? -
pergunta Manuel
- Aqui em
Milheirós, em campa rasa, junto aos Pais - responde Augusto. - A mesma simplicidade que foi sempre a sua
vida. Foi um exemplo e acho que Milheirós ainda lhe deve uma homenagem.
- Já que infelizmente não consegui vir a tempo de lhe dar o tal
abraço - diz Manuel - Amanhã vou à última morada prestar-lhe homenagem e como
sou crente vou lá rezar as minhas
orações.
- Pois sim - diz Augusto –
Anda dar umas voltas comigo por
Milheirós de Poiares que não tem nada a ver
com a terra que deixaste há cinquenta anos. Vais poder ver a Escola EB2.3, o Centro Cultural com uma sala
de espetáculos de fazer inveja a muitas das cidades, o Centro Comercial Dr.
Crispim, Complexo Desportivo onde mais
de 200 jovens fazem formação e uma equipa sénior na 1ª Divisão do distrito de
Aveiro, o Centro Social Dr. Crispim de apoio à infância e 3ª idade, um legado
desse grande benemérito, uma Unidade de
Saúde. Na área cultural para além do Grupo de Teatro “os Velhos” do teu
tempo, temos um novo grupo com o nome de
“RITUS”, o grupo “Canto Nosso” , Grupos de cavaquinhos, a Rusga que está a
recuperar músicas tradicionais, a “Orquestra Milheiroense”, aproveitando os conhecimentos dos jovens alunos que têm
aulas de música nas Escolas, orientada
pelo jovem maestro Marcelo, etc.
etc. Vais também ver uma Freguesia com saneamento, gás e água
canalizada. Vais constatar que a nossa
terra nestes últimos 50 anos teve um
grande desenvolvimento.
- De acordo- diz Manuel. -
Estou ansioso para ir “Conhecer Milheirós de Poiares” de
novo.
Gonçalo Oliveira Pinto
13 anos, estudante, 8.º ano
Adultos
“A Herança”
Ruy Höfle de Araújo Moreira nasceu
no Porto a 18 de maio de 1931, filho de Edith Auguste Elisabeth Höfle e de
Eugénio Araújo Moreira, proprietários da Quinta do Seixal. Ruy Moreira desde
muito novo viveu no convívio dos milheiroenses, vindo a habitar na quinta após
o seu casamento com Maria João de Almeida Brandão de Carvalho, em setembro de
1955. Estão bem patentes na minha memória as visitas que eu e meu pai fazíamos
à Quinta. Que alegria! Oito filhos desfrutavam da beleza daquele lar e das
peripécias do Sr. Ruy.
Ruy Moreira foi sempre um homem
empenhado na educação dos seus filhos mas também com grande mérito no seu
trabalho. Depois de terminar brilhantemente a sua licenciatura na Universidade
Internacional com o curso ligado ao mundo empresarial, teria uns vinte anos
quando entrou para a Molaflex, empresa criada pelo seu pai nos anos cinquenta.
Com o seu empenho e dinamismo e com a sua prestação nesta empresa ao lado de
seu irmão Mário e outros familiares, registou-se um crescimento tal que em
pouco tempo tiveram a necessidade de aumentar a empresa empregando mais gente,
chegando a atingir cerca de mil trabalhadores nos anos sessenta.
Recordo-me da viagem a São João da
Madeira do Presidente da República e outras entidades para visitarem a Molaflex
afim de condecorarem Ruy Moreira pelo seu dinamismo e visão futurista, um
empresário muito jovem com projetos impensáveis nos anos sessenta. Foi um homem
de um coração muito solidário, só estava bem consigo sabendo que os seus
trabalhadores estavam a viver bem. Homem lutador e sempre a pensar no bem dos
seus funcionários. Criou financiamentos para a construção de habitações, criou
um posto médico dentro das suas instalações, criou um subsídio para o final de
ano, sempre acompanhando de perto as pessoas que o rodeavam. Aquele homem de H
grande merece um obrigado de todos os que o conheceram e partilharam a sua amizade.
Mas... há sempre um mas... com a
continuidade da revolução dos cravos a Molaflex sofreu alguns desequilíbrios
financeiros como tantas outras empresas, mas nada que pusesse em perigo a
manutenção da mesma. Mas... há sempre um mas... alguns revolucionários de
"meia tigela" não ficaram bem com a sua consciência miserável
enquanto não mandaram Ruy Moreira para a prisão. Até hoje nunca compreendi
porque foi preso! A empresa Molaflex sofreu muito com a sua ausência mas este
foi lutando até às últimas consequências, sendo libertado dez meses depois de
ter passado grande sofrimento e humilhação. Sim, humilhação, com ataques à sua
personalidade, obra de alguns cobardes a quem, alguns anos antes, Ruy Moreira
tinha tirado a “lama das unhas”.
Quero aqui expressar o pouco que
conheci de Ruy Moreira, mas para mim significa muito, pois tive o privilégio e
a honra de conversar e negociar com um bom amigo, um bom chefe de família, um
excelente empresário, exemplo de gestor no meio empresarial, e, sobretudo, um
homem com um coração enorme.
Obrigado, Ruy Moreira, pela herança
que nos deixaste.
Serafim Silveira
63 anos,
reformado
Umas Férias de Verão
O ano escolar
estava mesmo a terminar. As férias de Verão aproximavam-se e muitos momentos de
diversão e alegria estavam completamente garantidos.
Os dias passados
em casa da minha avó Albertina eram sempre dias de descoberta, de partilha, de
felicidade. Eram dias de longas conversas e trabalhos no campo e no mato a
apanhar pinhas e “pauzinhos”, pequenos paus que eram muito úteis para acender a
lareira e fazer umas boas brasas para assar as sardinhas. O meu avô, esse
ficava muito grato, pois adorava batatas cozidas e sardinhas assadas. Eu lá ia
tentando encontrar no meio das espinhas um pouco de sardinha para misturar com
as batatas esmagadas. Tudo isto passava-se à volta da lareira com o prato nas
pernas, o que para mim era uma verdadeira aventura.
Uma noite ao
jantar eu e a minha irmã fomos surpreendidos pelos meus pais com uma informação
interessante. As férias de Verão iam este ano ser diferentes! A Junta de
Freguesia ia organizar um campo de férias. Os meus pais estavam envolvidos na
organização desta atividade. Eu já estava inscrito, mesmo sem ter sido
consultado. Era preciso ocupar de forma saudável as longas férias de Verão,
dizia o meu pai.
Que aborrecimento!
Lá se iam os meus dias de liberdade em casa da avó Albertina. Observei a minha
irmã e não me parecia nada animada. Ao contrário de nós, o meu pai estava
entusiasmadíssimo. Lá continuou a explicar tudo sobre as férias. Seriam duas
semanas, durante o dia todo e iriam decorrer na Quinta do Seixal. Alguns
escuteiros, caminheiros que são os mais velhos, do Agrupamento 640 de Santa
Maria da Feira seriam os monitores das atividades. Os dias deveriam ser
preenchidos com jogos, fóruns, visitas pela Quinta, atividades livres e uma
atividade cívica, iríamos limpar os caminhos internos da Quinta.
O meu olhar cruzou-se
de novo com o da minha irmã e logo me animei. Nessa noite juntámo-nos no meu
quarto e conversamos longamente e um pouco eufóricos. As férias iam mesmo ser
diferentes! A ideia de conhecer a Quinta do Seixal e o dono, o Senhor Ruy
Moreira, pessoa de quem os meus pais falavam com muita admiração, deixou-me
animado e até ansioso.
O grande dia
chegou! Bem cedo, cheguei junto do portão principal da Quinta. Já lá estavam
algumas crianças minhas conhecidas. Os monitores das férias também eram meus
conhecidos porque eu era escuteiro no Agrupamento da Feira. Estava por isso
muito confiante. Lá estavam os meus pais, o Senhor Melo, o Senhor Fernando (o
caseiro) a conversar com os monitores.
Finalmente, tudo a
postos para a grande aventura. Mochilas às costas e lá partimos para o campo de
futebol, que iria ser o nosso Quartel General durante quinze dias. Os dias eram
ocupados com jogos, caminhadas, longas conversas sobre a Natureza e a
necessidade de a proteger, limpeza dos caminhos, brincadeiras livres e um banhinho
ao meio da tarde no tanque próximo do campo.
A hora do almoço
era um momento alto. O Café do Ti Albino enchia-se de crianças barulhentas para
se lambuzarem de batatas fritas e bifes sem qualquer reparo das mães. Estes
momentos tão importantes deviam-se também à boa vontade do Senhor Ruy Moreira
que pagava os almoços do campo de férias.
Ao fim de três
dias de grande animação tivemos finalmente a visita do Senhor Ruy. Todos
preparados para receberem o homem que nos estava a possibilitar umas férias que
prometiam ser inesquecíveis.
Surgiram ao fundo
da grande avenida dois homens. Um era o Senhor Fernando, que todos os dias nos
recebia no início do dia. O outro, era o Senhor Ruy Moreira. Estávamos todos em
silêncio. Íamos conhecer uma pessoa importante. O dono da Quinta do Seixal, que
vivia no Porto, que tinha muitos negócios e que já nos tinham dito que tinha um
profundo amor à quinta e ás árvores nela existentes. Quando se aproximou olhei
com muita curiosidade e também admiração. Afinal eu parecia-me com ele. Ele era
alto tal como eu e magro também como eu. Os meus colegas que se riam de mim na
escola por eu ser muito magrinho ficavam agora a saber que eu por ser assim
também poderia vir a ser importante como ele.
Gostei mesmo dele!
Bem vestido, de fato e gravata, um porte elegante, um olhar meigo e penetrante.
Quando começou a conversar connosco percebi que tinha um timbre de voz doce e
cativante.
Fizemos a primeira
visita guiada à Quinta, com explicações muito pormenorizadas sobre as mais de
cem espécies de árvores existentes na propriedade. Como amava aquela Quinta!
Que paixão evidenciava ao falar das árvores!
Nessa noite tive
dificuldade em adormecer. Aquele homem impressionou-me. Tinha cedido a Quinta,
pagava os almoços. Ia acompanhar-nos ao longo das férias, vinha da Foz, Porto,
para estar com um grupo de crianças de Milheirós de Poiares, a terra natal do
seu pai. A cada dia mostrava-se agradado com o trabalho cívico que íamos
realizando. Já poderíamos carregar para o trator do Senhor Fernando os resíduos
dos caminhos.
A meio das férias,
o Senhor Ruy lançou-nos novo desafio. Por cada pinha que apanhássemos
pagar-nos-ia 1 escudo. Claro que nos entusiasmamos com a possibilidade de
ganharmos uns tostões nas férias. Todos os dias partíamos em grupos organizados
para a apanha das pinhas. Íamos para a zona de pinheiros e eucaliptos e aí
apareciam-nos coelhos bravos à solta à caça das pinhas.
As férias
continuavam a deixar-nos a todos exaustos mas felizes. O Senhor Ruy mostrava-se
também alegre e sempre muito entusiasmado a cada incursão pela Quinta. As
grandes e velhas árvores, os simples arbustos, os caminhos, a casa, a capela,
tudo despertava no senhor uma grande emoção.
Até eu, um simples
miúdo de oito anos estava apaixonado por aquela enorme e bela Quinta, que eu já
sentia como um pouco minha. Num dos dias em que prestávamos conta do trabalho
realizado e dos sacos de pinhas já cheios, o Senhor Ruy explicou-nos que a mata
de pinheiros e eucaliptos existente a poente era muito importante, servia de
barreira e proteção das diversas espécies de árvores existentes.
Numa outra visita
falou-nos de uma outra paixão, a água. A Quinta era atravessada por várias
linhas de água que abasteciam tanques de rega, a piscina e a habitação.
Disse-nos ainda que desde longa data que a Quinta tinha sempre os portões
abertos e a entrada livre para que a população do lugar pudesse ir buscar água
para consumo.
Sensibilizou-nos
para a importância da água potável e a necessidade de sermos previdentes na sua
proteção e gestão. Segundo ele, a água iria ser no futuro um bem escasso.
Não visitamos o
interior da casa, mas falou-nos dela com sentimento. Era uma casa de família,
de gerações, pais, filhos, netos e bisnetos. Da capela apenas nos disse que não
era uma capela de família mas sim uma capela da paróquia. Ali sempre se
celebrou missa para o povo da freguesia.
Os dias passaram
tão rápido que quando tomei consciência que tudo iria terminar no dia seguinte
senti-me triste e dei por mim a pensar que tinham sido umas férias de Verão
inesquecíveis, foram uma verdadeira aventura de Verão na Quinta do Seixal.
De repente, dei-me
conta que não tive tempo de ter saudades da minha avó Albertina. Mas era muito
esperta, já tinha percebido, quando lá passava à noite, que o seu neto estava
feliz com as férias na Quinta.
Agora, com
distância de vinte anos agradeço ao Senhor Ruy, à Junta de Freguesia e a todos
os que tornaram possíveis aquelas férias.
A verdade porém é
que as férias na avó Albertina sempre foram maravilhosas!
Obrigado Avó!
Tiago
José Rodrigues de Almeida
29
anos, Enfermeiro