Trabalhos premiados | 2.º Concurso Conhecer Milheirós de Poiares

No dia 26 de junho de 2015, no auditório do Centro Cultural de Milheirós de Poiares, foram divulgados os trabalhos premiados no âmbito do 2.º Concurso Conhecer Milheirós de Poiares.


Modalidade - fotografia

1.º ciclo de escolaridade


Fonte dos Desejos
Gonçalo, Inês, Iva, Ivo, João Paulo, Matilde Talhas, Rita
3.º ano, EB1 Igreja
Milheirós de Poiares


Refúgio
João Pedro, Leonardo, Mafalda, Matilde Jorge, Sara, Tânia, Sandra
3.º ano, EB1 Igreja
Milheirós de Poiares
Fonte das Quatro Bicas
Américo Pinho, Ana Filipa, Beatriz Amorim, Bernardo Tavares, Bruna Almeida, Daniela Ferreira, David Rodrigues, Fabiana Leite, Filipe Silva, Henrique Moreira, Ivo Cruz
4.º ano, EB1 Igreja

Milheirós de Poiares


Adultos

No limite do tempo – A Luz
Bruno Miguel Graça Santos Pinho
32 anos, Engenheiro Informático



Modalidade - narrativa

3.º ciclo de escolaridade


Um Abraço que chegou tarde

Manuel Santos pede ao taxista para encostar o carro ali. Ainda se recorda da padaria do Pereiro apesar de ter emigrado durante cerca de 50 anos. Acaba de chegar do Brasil e nem sequer sabe ainda se tem cá família viva.
Entra no estabelecimento, come um bolinho e toma um café. Está ansioso por saber se a padaria ainda pertence ao Sr. Manuel Padeiro. Manuel decide ficar ali sentado durante algum tempo para ver se reconhece alguém que vá entrando. Manuel trabalhara na Molaflex entre 1960 e 1965, ano em que decidiu emigrar para o Brasil, convidado por um tio que explorava o negócio de padarias em Belo Horizonte.
Mas sem mais demoras decidiu avançar com uma pergunta a uma das empregadas:
- Esta padaria ainda pertence à família do Sr. Manuel e da Sr.ª Encarnação?
A empregada  fica surpreendida com a pergunta do homem e  responde:
- Esta padaria já não é dos donos que o senhor conheceu. Esses senhores já faleceram há  uns anos. Mas afinal quem é que o senhor   procura?
O homem não responde,  fica  em silêncio com ar pensativo, mas a empregada insiste.
- O senhor afinal para onde vai? Está aqui há mais de uma hora,  é quase meio dia e onde é que vai almoçar?
- Os senhores servem aqui refeições? - pergunta o “brasileiro”.
- Sim pequenas refeições... Uma sopa e mais qualquer coisa - responde a empregada.
- Então traga-me uma sopa e um prego no prato.
Enquanto esperava pela  refeição entra um senhor que Manuel parece reconhecer e dirige-se a ele:
- Ouve, tu não és o Augusto Tavares?
Este fixa o homem por uns momentos e,  apesar de não se verem há  tantos  anos, dispara:
 - E tu não és o Manuel Santos...Pois és!
Abraçaram-se, ficaram ali por uns momentos quase sem palavras até que o Augusto lhe diz:
-Olha que pensava-se por cá que já tinhas morrido. Já se passaram tantos anos sem notícias.
- É verdade que não dei notícias mas também não recebi notícias. Por isso vou precisar que me contes tudo o que se passou por cá nos últimos 50 anos.
- Prometo. Mas ouve cá. Porque vieste só  agora que já não tens cá família viva?
- Estás a   dizer-me  que a  minha mãe já morreu ?
- É verdade - responde Augusto.
- Já previa, algo me dizia isso - diz Manuel  baixando a cabeça.
Fez-se um silêncio para logo de seguida Manuel  com voz determinada afirmar:
-  Mas,  para além da minha Mãe, há também uma razão muito forte para eu ter vindo a Portugal. Há  aqui  uma pessoa  a quem eu queria dar um abraço antes de morrer.
Entretanto a empregada que já tinha colocado a toalha e os talheres pergunta:
                  - Sr. Manuel, já posso começar a servir a refeição?
- Sim.
Acabada a refeição, Manuel  levanta-se  e vem até  cá fora fumar um cigarro e contemplar uma vista que  lhe era familiar, pois fora ali no lugar do Pereiro que nasceu e viveu até ir para o Brasil.
-  Olha... Ali  era o   estaleiro do Sr. Carlos Leão. Mas está tudo abandonado, possivelmente também já morreu. Construções  novas ali em baixo.  De quem serão?  Já não conheço nada - e mais uma vez interrogava-se - Será que fiz bem em vir ?  Com a  notícia da morte da minha Mãe,  sinceramente, que vim eu cá fazer? Mas eu tinha que vir por outra razão muito forte..
Augusto convida-o para ir a sua casa. Desceram e em 5 minutos estavam em casa de Augusto. A mulher deste, que já sabia da presença de Manuel e o esperava à entrada, convida-o para entrar,   cumprimentam-se , serve-lhe um cálice de vinho do Porto. A mulher de Augusto não esperou nem um segundo e perguntou:
- Então, Sr. Manuel,  conte-nos o que foi a sua vida lá pelo Brasil. Afinal o senhor  saiu de cá há 50 anos e nunca mais tivemos  notícias suas.
- Bom.  Seriam  precisas muitas horas, talvez dias para lhes contar a minha odisseia lá  pelo Brasil, mas vou tentar fazê-lo de forma resumida - afirma Manuel.
Já se tinham passado cerca de duas  horas quando Manuel, já com a voz arrastada pelo cansaço e também emocionado,  dá por terminada a narrativa, rematando:
- Aqui tiveram  de forma resumida o que foi a vida deste homem em cinquenta anos de Brasil.
- Pois estamos  admirados  por tudo o que nos contou - disseram quase ao mesmo tempo Augusto e a mulher - Foram de facto anos muito difíceis.
- Mas depois de tudo o que passaste por lá ainda tiveste forças para vir a Portugal? - perguntou Augusto que quis saber também o motivo muito forte para além da Mãe .
- Pois, amigo Augusto, a razão para vir a Portugal, para além da minha Mãe, é que eu não queria morrer sem vir dar um abraço ao Sr. Ruy Moreira, pessoa que jamais esquecerei.
Augusto e a Esposa trocaram um olhar, ficam arrepiados ao ouvir esta confissão e Manuel ao ver as suas expressões pergunta:
- Mas o que é que se passa?   Que reação estranha a vossa.
Augusto interrompe e não  o deixa continuar a falar:
- Manuel, não vai ser possível estares com o Sr. Ruy Moreira. Ele já faleceu.
Fez-se um silêncio prolongado, Manuel levantou-se deu alguns passos e exclama:
- Não é possível. Andei anos a preparar  esta viagem, com sacrifício, amealhei os reais necessários para a passagem e levo com este balde de água fria? Eu que agora, depois  de minha Mãe,  só tinha este objetivo, levo mais esta facada?
- Mas diz-me, Manuel,  por que razão tinhas esse objetivo?
- Augusto, eu sou um homem grato a quem me fez bem. Por isso  queria estar com o Sr. Ruy Moreira nem que fosse só para lhe dar um abraço  e agradecer-lhe os anos felizes que passei na Molaflex e o que fez por mim enquanto lá trabalhei. Foi  um amigo.  Lembro-me quando o meu  Pai esteve  doente e  o Sr. Ruy Moreira ter ido  ao meu encontro  para me  perguntar se havia dificuldades  em dinheiro para medicamentos. São atitudes que nunca esquecem.
Augusto e a mulher  que chegaram a trabalhar os dois na Molaflex iam acenando com a cabeça.
             - Eu, quando regressava à  Fábrica, depois de ter feito as entregas, como sabem, fui sempre motorista  de longo curso,  o Sr. Ruy Moreira,  sabendo  que eu estivera fora, vinha saber como tinha corrido a viagem - diz Manuel com a  voz embargada por estar a recordar estes momentos tão marcantes. E continuava - Passava por mim em qualquer lado da Fábrica, estendia a mão a  cumprimentar e a perguntar pela saúde da Família. Mas o que mais me marcou foram as palavras no dia em que me fui despedir.
- Então o que foi? - pergunta curiosa a mulher de Augusto.
- O Sr. Ruy Moreira contemplou-me e de seguida  disse algumas   palavras que me marcaram e acompanharam  estes anos todos. “ Vais  sair porque estás convencido que é a oportunidade da tua vida. Se continuares cá sei  que ficas contrariado e a  pensar que te cortei as pernas. Podia oferecer-te mais dinheiro para ficares, mas  não quero arrastar comigo esse peso. Mas há uma coisa que te digo.  No dia em que não te sentires realizado, seja em que parte for do mundo, nesse dia só tens que me contactar pois regressas imediatamente. Não quero que tenhas dificuldades  por  um só dia”.  Pois, amigo Augusto,  foram estas palavras que andaram comigo uma vida inteira. Quantas vezes tive  vontade de telefonar  principalmente  nos dias em que passei fome. Mas faltou-me coragem. Mas ouve,  há quanto  tempo  faleceu o Sr. Ruy Moreira?
- Morreu cedo, com 69 anos no ano  2000.  Já lá vão 15 anos - diz Augusto em voz baixa.
Foi então que Augusto aproveitou para contar a vida do Sr. Ruy Moreira e o sucesso da Molaflex após a saída de Manuel:
- Olha, Manuel,  a Molaflex nos anos sessenta atingiu uma dimensão enorme, estando nessa altura  no lote das maiores empresas do País. O Grupo Molaflex, que agregava dezenas de empresas dava emprego a mais de três mil pessoas. O Sr. Ruy Moreira era considerado um dos empresários de elite  com mais sucesso em Portugal.  O Grupo continuava a crescer e alargou  a sua área de negócios. Tinha Empresas em Angola, em Moçambique, em Espanha e por aí fora. Entretanto acontece a revolução do 25 de Abril e a  Molaflex como aliás todas as grandes empresas estavam com grandes investimentos. Há uma  forte instabilidade nos governos de então e alguns empresários, entre eles o Sr. Ruy Moreira, são perseguidos sem razão.
- E os empregados permitiram? - pergunta Manuel indignado.
- Nesses anos houve muitos exageros por parte dos militares que tinham o poder, mas em  boa verdade os empregados estiveram sempre ao lado do Sr. Ruy Moreira, mas  vivia-se um período revolucionário. Depois aconteceu  o falecimento inesperado do irmão Mário, a perda de saúde, os  desgostos por  tudo o que lhe fizeram. Viu-se assim na necessidade de vender parte do capital da Empresa.
- A Molaflex já não é da Família Moreira?
- Não . Eu agora não sei muito da Fábrica porque reformei-me e a empresa já nem  se chama Molaflex - responde Augusto - O capital agora é todo estrangeiro. E continua:
-Eu  vivi de perto muitos anos com a Família Moreira e especialmente com o Sr. Ruy Moreira, e  sei a grandeza deste Homem com H grande. O amor que tinha a Milheirós. A satisfação que tinha por saber que dava emprego a tantas famílias de Milheirós.  A disponibilidade que mostrava sempre que era necessário colaborar em qualquer iniciativa da Freguesia, fosse para a Escola ou para a Igreja ou sempre que lhe era pedido o espaço da Quinta do Seixal  para qualquer evento. Tinha uma grande  preocupação para que os filhos preservassem a Quinta.
- Onde é que está  sepultado o Sr. Ruy Moreira? - pergunta Manuel
- Aqui em Milheirós, em campa rasa, junto aos Pais - responde Augusto. -   A mesma simplicidade que foi sempre a sua vida. Foi um exemplo e acho que Milheirós ainda lhe deve uma homenagem.
- Já  que infelizmente  não consegui vir a tempo de lhe dar o tal abraço - diz Manuel -  Amanhã vou à  última morada prestar-lhe homenagem e como sou crente  vou lá rezar as minhas orações. 
- Pois sim -  diz Augusto – Anda dar umas voltas comigo  por Milheirós de Poiares que não tem nada a ver  com a terra que deixaste há cinquenta anos. Vais poder ver a  Escola EB2.3, o Centro Cultural com uma sala de espetáculos de fazer inveja a muitas das cidades, o Centro Comercial Dr. Crispim,  Complexo Desportivo onde mais de 200 jovens fazem formação e uma equipa sénior na 1ª Divisão do distrito de Aveiro, o Centro Social Dr. Crispim de apoio à infância e 3ª idade, um legado desse grande benemérito,  uma Unidade de Saúde. Na área cultural para além do Grupo de Teatro “os Velhos” do teu tempo,  temos um novo grupo com o nome de “RITUS”, o grupo “Canto Nosso” , Grupos de cavaquinhos, a Rusga que está a recuperar músicas tradicionais,  a  “Orquestra Milheiroense”, aproveitando  os conhecimentos dos jovens alunos que têm aulas de música nas Escolas,  orientada pelo jovem maestro Marcelo,  etc. etc.  Vais também ver uma  Freguesia com saneamento, gás e água canalizada. Vais constatar   que a nossa terra  nestes últimos 50 anos teve um grande desenvolvimento.
- De acordo- diz Manuel.  - Estou ansioso para  ir “Conhecer Milheirós de Poiares” de novo.

Gonçalo Oliveira Pinto
13 anos, estudante, 8.º ano



Adultos

“A Herança”

     Ruy Höfle de Araújo Moreira nasceu no Porto a 18 de maio de 1931, filho de Edith Auguste Elisabeth Höfle e de Eugénio Araújo Moreira, proprietários da Quinta do Seixal. Ruy Moreira desde muito novo viveu no convívio dos milheiroenses, vindo a habitar na quinta após o seu casamento com Maria João de Almeida Brandão de Carvalho, em setembro de 1955. Estão bem patentes na minha memória as visitas que eu e meu pai fazíamos à Quinta. Que alegria! Oito filhos desfrutavam da beleza daquele lar e das peripécias do Sr. Ruy.
Ruy Moreira foi sempre um homem empenhado na educação dos seus filhos mas também com grande mérito no seu trabalho. Depois de terminar brilhantemente a sua licenciatura na Universidade Internacional com o curso ligado ao mundo empresarial, teria uns vinte anos quando entrou para a Molaflex, empresa criada pelo seu pai nos anos cinquenta. Com o seu empenho e dinamismo e com a sua prestação nesta empresa ao lado de seu irmão Mário e outros familiares, registou-se um crescimento tal que em pouco tempo tiveram a necessidade de aumentar a empresa empregando mais gente, chegando a atingir cerca de mil trabalhadores nos anos sessenta.
Recordo-me da viagem a São João da Madeira do Presidente da República e outras entidades para visitarem a Molaflex afim de condecorarem Ruy Moreira pelo seu dinamismo e visão futurista, um empresário muito jovem com projetos impensáveis nos anos sessenta. Foi um homem de um coração muito solidário, só estava bem consigo sabendo que os seus trabalhadores estavam a viver bem. Homem lutador e sempre a pensar no bem dos seus funcionários. Criou financiamentos para a construção de habitações, criou um posto médico dentro das suas instalações, criou um subsídio para o final de ano, sempre acompanhando de perto as pessoas que o rodeavam. Aquele homem de H grande merece um obrigado de todos os que o conheceram e partilharam a sua amizade.
Mas... há sempre um mas... com a continuidade da revolução dos cravos a Molaflex sofreu alguns desequilíbrios financeiros como tantas outras empresas, mas nada que pusesse em perigo a manutenção da mesma. Mas... há sempre um mas... alguns revolucionários de "meia tigela" não ficaram bem com a sua consciência miserável enquanto não mandaram Ruy Moreira para a prisão. Até hoje nunca compreendi porque foi preso! A empresa Molaflex sofreu muito com a sua ausência mas este foi lutando até às últimas consequências, sendo libertado dez meses depois de ter passado grande sofrimento e humilhação. Sim, humilhação, com ataques à sua personalidade, obra de alguns cobardes a quem, alguns anos antes, Ruy Moreira tinha tirado a “lama das unhas”.
Quero aqui expressar o pouco que conheci de Ruy Moreira, mas para mim significa muito, pois tive o privilégio e a honra de conversar e negociar com um bom amigo, um bom chefe de família, um excelente empresário, exemplo de gestor no meio empresarial, e, sobretudo, um homem com um coração enorme.
Obrigado, Ruy Moreira, pela herança que nos deixaste.

Serafim Silveira
63 anos, reformado



Umas Férias de Verão

O ano escolar estava mesmo a terminar. As férias de Verão aproximavam-se e muitos momentos de diversão e alegria estavam completamente garantidos.
Os dias passados em casa da minha avó Albertina eram sempre dias de descoberta, de partilha, de felicidade. Eram dias de longas conversas e trabalhos no campo e no mato a apanhar pinhas e “pauzinhos”, pequenos paus que eram muito úteis para acender a lareira e fazer umas boas brasas para assar as sardinhas. O meu avô, esse ficava muito grato, pois adorava batatas cozidas e sardinhas assadas. Eu lá ia tentando encontrar no meio das espinhas um pouco de sardinha para misturar com as batatas esmagadas. Tudo isto passava-se à volta da lareira com o prato nas pernas, o que para mim era uma verdadeira aventura.
Uma noite ao jantar eu e a minha irmã fomos surpreendidos pelos meus pais com uma informação interessante. As férias de Verão iam este ano ser diferentes! A Junta de Freguesia ia organizar um campo de férias. Os meus pais estavam envolvidos na organização desta atividade. Eu já estava inscrito, mesmo sem ter sido consultado. Era preciso ocupar de forma saudável as longas férias de Verão, dizia o meu pai.
Que aborrecimento! Lá se iam os meus dias de liberdade em casa da avó Albertina. Observei a minha irmã e não me parecia nada animada. Ao contrário de nós, o meu pai estava entusiasmadíssimo. Lá continuou a explicar tudo sobre as férias. Seriam duas semanas, durante o dia todo e iriam decorrer na Quinta do Seixal. Alguns escuteiros, caminheiros que são os mais velhos, do Agrupamento 640 de Santa Maria da Feira seriam os monitores das atividades. Os dias deveriam ser preenchidos com jogos, fóruns, visitas pela Quinta, atividades livres e uma atividade cívica, iríamos limpar os caminhos internos da Quinta.
O meu olhar cruzou-se de novo com o da minha irmã e logo me animei. Nessa noite juntámo-nos no meu quarto e conversamos longamente e um pouco eufóricos. As férias iam mesmo ser diferentes! A ideia de conhecer a Quinta do Seixal e o dono, o Senhor Ruy Moreira, pessoa de quem os meus pais falavam com muita admiração, deixou-me animado e até ansioso.
O grande dia chegou! Bem cedo, cheguei junto do portão principal da Quinta. Já lá estavam algumas crianças minhas conhecidas. Os monitores das férias também eram meus conhecidos porque eu era escuteiro no Agrupamento da Feira. Estava por isso muito confiante. Lá estavam os meus pais, o Senhor Melo, o Senhor Fernando (o caseiro) a conversar com os monitores.
Finalmente, tudo a postos para a grande aventura. Mochilas às costas e lá partimos para o campo de futebol, que iria ser o nosso Quartel General durante quinze dias. Os dias eram ocupados com jogos, caminhadas, longas conversas sobre a Natureza e a necessidade de a proteger, limpeza dos caminhos, brincadeiras livres e um banhinho ao meio da tarde no tanque próximo do campo.
A hora do almoço era um momento alto. O Café do Ti Albino enchia-se de crianças barulhentas para se lambuzarem de batatas fritas e bifes sem qualquer reparo das mães. Estes momentos tão importantes deviam-se também à boa vontade do Senhor Ruy Moreira que pagava os almoços do campo de férias.
Ao fim de três dias de grande animação tivemos finalmente a visita do Senhor Ruy. Todos preparados para receberem o homem que nos estava a possibilitar umas férias que prometiam ser inesquecíveis.
Surgiram ao fundo da grande avenida dois homens. Um era o Senhor Fernando, que todos os dias nos recebia no início do dia. O outro, era o Senhor Ruy Moreira. Estávamos todos em silêncio. Íamos conhecer uma pessoa importante. O dono da Quinta do Seixal, que vivia no Porto, que tinha muitos negócios e que já nos tinham dito que tinha um profundo amor à quinta e ás árvores nela existentes. Quando se aproximou olhei com muita curiosidade e também admiração. Afinal eu parecia-me com ele. Ele era alto tal como eu e magro também como eu. Os meus colegas que se riam de mim na escola por eu ser muito magrinho ficavam agora a saber que eu por ser assim também poderia vir a ser importante como ele.
Gostei mesmo dele! Bem vestido, de fato e gravata, um porte elegante, um olhar meigo e penetrante. Quando começou a conversar connosco percebi que tinha um timbre de voz doce e cativante.
Fizemos a primeira visita guiada à Quinta, com explicações muito pormenorizadas sobre as mais de cem espécies de árvores existentes na propriedade. Como amava aquela Quinta! Que paixão evidenciava ao falar das árvores!
Nessa noite tive dificuldade em adormecer. Aquele homem impressionou-me. Tinha cedido a Quinta, pagava os almoços. Ia acompanhar-nos ao longo das férias, vinha da Foz, Porto, para estar com um grupo de crianças de Milheirós de Poiares, a terra natal do seu pai. A cada dia mostrava-se agradado com o trabalho cívico que íamos realizando. Já poderíamos carregar para o trator do Senhor Fernando os resíduos dos caminhos.
A meio das férias, o Senhor Ruy lançou-nos novo desafio. Por cada pinha que apanhássemos pagar-nos-ia 1 escudo. Claro que nos entusiasmamos com a possibilidade de ganharmos uns tostões nas férias. Todos os dias partíamos em grupos organizados para a apanha das pinhas. Íamos para a zona de pinheiros e eucaliptos e aí apareciam-nos coelhos bravos à solta à caça das pinhas.
As férias continuavam a deixar-nos a todos exaustos mas felizes. O Senhor Ruy mostrava-se também alegre e sempre muito entusiasmado a cada incursão pela Quinta. As grandes e velhas árvores, os simples arbustos, os caminhos, a casa, a capela, tudo despertava no senhor uma grande emoção.
Até eu, um simples miúdo de oito anos estava apaixonado por aquela enorme e bela Quinta, que eu já sentia como um pouco minha. Num dos dias em que prestávamos conta do trabalho realizado e dos sacos de pinhas já cheios, o Senhor Ruy explicou-nos que a mata de pinheiros e eucaliptos existente a poente era muito importante, servia de barreira e proteção das diversas espécies de árvores existentes.
Numa outra visita falou-nos de uma outra paixão, a água. A Quinta era atravessada por várias linhas de água que abasteciam tanques de rega, a piscina e a habitação. Disse-nos ainda que desde longa data que a Quinta tinha sempre os portões abertos e a entrada livre para que a população do lugar pudesse ir buscar água para consumo.
Sensibilizou-nos para a importância da água potável e a necessidade de sermos previdentes na sua proteção e gestão. Segundo ele, a água iria ser no futuro um bem escasso.
Não visitamos o interior da casa, mas falou-nos dela com sentimento. Era uma casa de família, de gerações, pais, filhos, netos e bisnetos. Da capela apenas nos disse que não era uma capela de família mas sim uma capela da paróquia. Ali sempre se celebrou missa para o povo da freguesia.
Os dias passaram tão rápido que quando tomei consciência que tudo iria terminar no dia seguinte senti-me triste e dei por mim a pensar que tinham sido umas férias de Verão inesquecíveis, foram uma verdadeira aventura de Verão na Quinta do Seixal.
De repente, dei-me conta que não tive tempo de ter saudades da minha avó Albertina. Mas era muito esperta, já tinha percebido, quando lá passava à noite, que o seu neto estava feliz com as férias na Quinta.
Agora, com distância de vinte anos agradeço ao Senhor Ruy, à Junta de Freguesia e a todos os que tornaram possíveis aquelas férias.
A verdade porém é que as férias na avó Albertina sempre foram maravilhosas!
Obrigado Avó!

Tiago José Rodrigues de Almeida
29 anos, Enfermeiro