Recebemos um precioso contributo sobre RUY HÖFLE DE ARAÚJO MOREIRA da autoria do Sr. Eugénio Resende de Bastos que, de seguida, publicamos. É um excelente documento que poderá informar todos aqueles que valorizam a história desta terra. Além disso, será, com certeza, fonte de inspiração para quem pretende participar no 2.º Concurso Conhecer Milheirós de Poiares.
Alguns traços da figura de RUY HÖFLE DE ARAÚJO MOREIRA
(1931-2000)
Nasceu no Porto, em 18 de Maio de
1931, onde sempre residiu, filho de Edith Auguste Elisabeth Höfle (de origem
alemã), e de Dr. Eugénio de Araújo Moreira; com as suas raízes na família ALVES
MOREIRA, do Seixal, Milheirós de Poiares. Daí a sua forte ligação a esta terra
onde, desde criança e com regularidade, permanecia por períodos mais ou menos
longos, na Quinta do Seixal, propriedade
da família. Esta proximidade com Milheirós de Poiares e com as suas gentes foi
continuada e reforçada ao longo de toda a sua vida e, ainda hoje, perdura viva através
da sua esposa, D.ª Maria João de Almeida Brandão de Carvalho, com quem casou em
10 de Setembro de 1955, dos seus oito filhos e netos. A Família Moreira e a
Quinta do Seixal continuam bem presentes na memória, no coração e na geografia
desta terra e dos seus habitantes.
É impossível falar de RUY MOREIRA
sem o associar, de imediato, à empresa MOLAFLEX.
Esta empresa foi constituída em
Julho de 1951, tendo como fundadores o seu pai, Dr. Eugénio de Araújo Moreira e
outro sócio de origem alemã, Senhor Siegfried Weinberg; por essa altura o filho
Ruy, tendo completado vinte anos de idade, estava na força da sua juventude e
no auge da sua preparação académica: “Licenciatura Business Administration na Universidade
de Leeds - Reino Unido”; “Estágios em “shipping” - Londres, Antuérpia, Rotterdam”;
domínio “escrito e falado em Português, Alemão, Francês, Inglês e Espanhol”.
Era esse o momento certo para a sua entrada no mundo dos negócios. E assim
aconteceu: no ramo industrial, ingressando na empresa MOLAFLEX – Molas
Flexíveis, Ld.ª – S. João da Madeira; no ramo dos serviços e dos transportes
marítimos, na empresa E. A. Moreira - Agentes de Navegação, SA. – Porto.
Mas, desde logo, foi na MOLAFLEX
onde o seu tempo, as suas capacidades e a sua ação se tornaram mais evidentes.
No início a empresa tinha como “principal
objetivo a fabricação de molas para estofos e coxins ou carcaças de molas”,
desenvolvendo a sua “atividade numa pequena cave alugada (200 m2 aproximadamente),
em S. João da Madeira”; para além da sua empenhada colaboração, dispunha apenas
dos serviços de mais dois empregados e cinco operários. Só a partir de “Janeiro
de 1954, foi iniciado então o fabrico e comercialização de colchões de molas, atingindo
a produção diária de cinco unidades, em Agosto de 1955”; seguiu-se, em 1956, a
concretização do projeto destinado ao arranque da produção de estofos para as Carruagens
dos Caminhos-de-ferro; nesse mesmo ano foi decidido iniciar a construção do primeiro
grupo de edifícios próprios, com uma área de 1.700 m2, na futura Zona
Industrial do Orreiro, em S. João da Madeira; a respetiva inauguração ocorreu
em 15 de Novembro de 1957. Nessa altura a produção de colchões de molas atingia
já as vinte e cinco unidades/dia e o quadro de pessoal ao serviço subia para cinquenta
trabalhadores, sendo vários deles naturais e/ou residentes em Milheirós de
Poiares.
Continuando sob a dinâmica e o comando de Ruy Moreira, a MOLAFLEX manteve um ritmo de crescimento constante, aumentando a produção dos artigos já existentes e desenvolvendo novos produtos, com destaque especial para o fabrico de Molas Técnicas para a indústria (em 1959), Estofos para Automóveis (em 1962), bem como a constituição de novas empresas associadas, nomeadamente: EDAL – Estofos de Angola, Ld.ª – Luanda (em Dezembro de 1957); GAMETAL – Metalúrgica da Gandarinha, Ld.ª - Cucujães (em Julho de 1963); FLEXIPOL – Espumas Sintéticas, Ld.ª – S. João da Madeira (em Abril de 1964); FLEXITEX – Fábrica de Tecidos, Ld.ª – S. João da Madeira (em Novembro de 1965).
O rápido crescimento das atividades desenvolvidas pela MOLAFLEX implicou, simultaneamente, a necessidade de adequar as suas estruturas organizativas, aumentar o quadro de pessoal, alargar a área dos terrenos, ampliar as instalações existentes e adquirir novas máquinas e equipamentos. Em 1966, ano das comemorações do XV Aniversário da fundação da empresa, registavam-se os seguintes indicadores: área dos terrenos: 29.000 m2; área coberta: 12.000 m2; número de empregados: 856; potência instalada, em KW: 709. Entretanto tendo já ocorrido o falecimento dos sócios fundadores foi decidido alterar o pacto social e aumentar o capital de 200 para 5.000 contos, repartido pelos herdeiros das respetivas famílias. Foi então criado um Conselho de Administração, presidido pelo sócio Ruy Höfle de Araújo Moreira, tendo como Vogais os sócios: Eng.º Mário Höfle de Araújo Moreira (irmão); D. Grete Höfle (tia) e Máximo Dário Becker Weinberg (filho do sócio falecido). Procedeu-se, também, a uma reorganização geral da empresa e à elaboração do seu organigrama, composto por várias Direções, Departamentos e Serviços, sendo nomeados os seus responsáveis e definidas as respetivas competências. O notório desenvolvimento, o crescimento dos volumes de produção e faturação (com destaque para as atividades dos colchões - 200 unidades/dia - e dos Estofos para Automóveis), o aumento do emprego e das novas tecnologias aplicadas, posicionaram a empresa num nível elevado da economia industrial do país, com impactos muito importantes no âmbito local e regional, sendo já considerada uma das maiores empresas do Concelho e do Distrito.
Daí que, as comemorações do XV Aniversário da MOLAFLEX, cujas cerimónias oficiais ocorreram em 25 de Outubro de 1966, tenham atraído a presença do Presidente da República Portuguesa, vários Ministros e Secretários de Estado, Governador Civil de Aveiro, Presidente da Camara Municipal de S. João da Madeira, além de outras altas individualidades. Nessa oportunidade, o Presidente do Conselho de Administração da empresa, no seu estilo envolvente e partilhado, dirigiu palavras de saudação “não só em nome da Administração mas também em nome de todos os colaboradores, empregados e assalariados com quem tanto nos prezamos de viver o dia-a-dia, em paz, tranquilidade e mútua compreensão, condições essas que têm sido a base da nossa razão de ser e da nossa expansão”. Após esta referência ao clima laboral favorável vivido na empresa, prosseguiu com alguns esclarecimentos, realçando o facto de se tratar de uma “empresa jovem, em que a média das idades dos seus 800 colaboradores diretos não chega a atingir os 27 anos, refletindo o espirito da nova geração industrial portuguesa”. Mais adiante, referiu a preocupação e a aposta da empresa no desenvolvimento dum Programa de Politica Social, exemplificando: “temos dedicado o melhor da nossa atenção… e mesmo para além do cumprimento das leis temos procurado dar um carácter humano nas relações entre dirigentes e dirigidos. São disso exemplo: A construção deste Pavilhão Social; O transporte ao domicílio do pessoal que trabalha em turnos; Criação e manutenção do Posto de Telescola; Treinos e estágios de pessoal no estrangeiro; Pagamento de propinas e material didático para frequência de cursos industriais; A atribuição de gratificações no fim do ano procurando interessar todos nos lucros da empresa; Prémios de produção e de assiduidade ao trabalho; Criação de condições de trabalho para além dos mínimos legais; Financiamento para a construção de habitações; Assistência médico-social permanente; Planeamento de uma ação social extensiva às famílias”. A empresa MOLAFLEX mantinha na região uma política pioneira na aplicação de vários benefícios sociais facultativos aos seus trabalhadores, com destaque para “a gratificação no fim do ano” que poderá ter sido o embrião do “Subsídio de Natal” e de outros benefícios só muito mais tarde instituídos, oficialmente, a nível nacional. Outras informações foram prestadas pelo Presidente do Conselho de Administração da MOLAFLEX, Senhor Ruy Moreira, referindo os aspetos técnicos e económicos envolventes, realçando a importância da empresa no contexto da economia nacional ao produzir os componentes para incorporar na indústria automóvel, baixando assim as necessidades de importações desses produtos. Antes da visita guiada às instalações, com a participação de todos os convidados, o Chefe de Estado proferiu palavras de agradecimento e acrescentou: “Não há dúvida que estou numa empresa jovem, mas ao mesmo tempo modelar e isso deve-se à vontade de quem a tem dirigido…”; e, em reconhecimento do mérito do empreendimento na pessoa do Senhor Ruy Moreira, continuou: “vou ter o prazer de colocar ao seu peito a condecoração que de muito boa vontade concedi com a convicção plena de que o fiz com o máximo da justiça”.
Para além desta distinção com a “Comenda
de Mérito Agrícola e Industrial”, seguiu-se, mais tarde, em 1972, a atribuição
da “Medalha do Infante D. Henrique”.
A aposta no crescimento das
atividades produtivas nas várias empresas já existentes, não impediu que fossem
ainda constituídas novas sociedades, a saber: POLIANG – Poliuretanos de Angola,
Ld.ª – Viana/Angola (em 1969); FIBREGLASS – Moçambique, Ld.ª – Lourenço Marques
em 1971); AMOC – Sociedade Açoreana de Colchões e Móveis, Ld.ª – Angra do
Heroísmo (em 1972).
Contudo, a principal empresa em
dimensão, número de empregados, volume de faturação, novos investimentos, aumento
da área coberta dos edifícios, envolvimento de capital… continuava a ser a
MOLAFLEX – Molas Flexíveis, Ld.ª – S. João da Madeira. O crescimento desta
empresa e o elevado nível de investimentos realizados para responder à sua
expansão evidenciavam a necessidade dum reforço dos seus capitais próprios,
como forma de atenuar o endividamento bancário. Foi assim que, em finais de
1973, foi decidido alterar o seu pacto social, de sociedade por quotas para S.
A. (Sociedade Anónima). A subscrição do aumento de capital, para além de
envolver os atuais sócios, foi também aberta aos trabalhadores, aos clientes e
aos fornecedores da empresa, em condições preferenciais, (efeitos da
socialização do capital da empresa). Este plano pretendia agregar à volta da
empresa, em esforço conjunto, as suas principais forças dinamizadoras: os
detentores do capital; a força do trabalho; a dinâmica comercial/mercado; e os
credores da empresa. Para pôr em prática este plano foi necessário algum tempo
destinado a reuniões de informação e esclarecimento junto dos eventuais
interessados, realizadas em várias localidades do país. Esta ação, apresentando
o plano e disponibilizando “Boletins de Subscrição de Capital” para serem
preenchidos e entregues pelos interessados, foi coordenada e dinamizada pelo
Senhor Ruy Moreira, figura principal da empresa e seu representante máximo,
acompanhado por outros Administradores e colaboradores. Decorridos alguns
meses, já em 1974, foi formalizada a transformação da sociedade e o aumento do
seu capital social, com a estrutura acionista previamente delineada, sendo
então efetuada a escritura de alteração do pacto social e alterada a
denominação da empresa para: INDUSTRIAS MOLAFLEX, SA.
Paralelamente à implementação desta nova fase da vida da empresa
deu-se a revolução do 25 de Abril de 1974: acontecimento marcante na conquista
das liberdades, embora sujeito a uma longa caminhada de aprendizagem, quer no
exercício da cidadania, quer nos comportamentos de âmbito individual e
coletivo… Os efeitos deste importante acontecimento foram sentidos, de
imediato, em todas as estruturas do país: política, económica, social, laboral,
empresarial…; seguiram-se tempos de acentuadas convulsões sociais, forte
retração económica e significativa redução de encomendas, sobretudo numa
empresa como esta cuja atividade principal estava voltada para a indústria
automóvel e com total dependência do mercado interno. Para além da
instabilidade e das dificuldades económicas vividas a nível nacional, foram
introduzidas grandes alterações nos impostos, penalizando fortemente o
automóvel e dificultando a sua comercialização em Portugal. Com esta situação
adversa ao nível do mercado, a estrutura da empresa, sólida e em franco
crescimento, envolvendo muitas centenas de postos de trabalho, transformou-se
numa estrutura em crise, com resultados negativos, aumento do endividamento e
excesso do número de trabalhadores. Tudo isto foi fortemente agravado com os
acontecimentos ocorridos em 11 de Março de 1975 que ditaram a nacionalização da
Banca, a ocupação das terras e a expulsão dos grandes proprietários agrícolas
(a chamada Reforma Agrária), bem como a nacionalização de muitas empresas
industriais e a perseguição política de muitos dos seus acionistas e
administradores. Estas intervenções, de cariz ideológico, tinham como objetivo
coletivizar os meios de produção do país, atingindo as empresas consideradas
mais rentáveis e com maior peso económico. Foi assim que, na MOLAFLEX, ocorreu
a detenção do seu principal acionista e Presidente do Conselho de
Administração, Senhor Ruy Moreira, por mandado do Conselho da Revolução. Os
meses que se seguiram a estes episódios foram vividos na empresa com grandes
preocupações e incertezas, quer quanto à sua viabilidade económica quer quanto
à manutenção dos postos de trabalho. Tudo isso, aliado à falta de informações
sobre os fundamentos e a continuidade da detenção do referido Administrador no
Estabelecimento Prisional de Custóias, fez com que os trabalhadores, em
Plenário e por maioria, decidissem organizar uma manifestação pública, frente
ao Quartel-General Militar, no Porto, com o objetivo de serem elucidados sobre
os motivos da permanência de tal detenção, considerada injusta. A concretização
dessa decisão, que mobilizou cerca de 1.200 trabalhadores da empresa, foi mal
aceite pelos poderes militares, incluindo o Comandante da Região Militar Norte,
por a considerarem uma ameaça à dinâmica vigente vivida pelo PREC (Processo
Revolucionário em Curso); além disso, tal manifestação suscitou algumas
interrogações: como era possível que tantos trabalhadores se manifestassem a
favor da liberdade dum patrão? Quem estaria por detrás dessa organização? Daí
resultaram várias consequências imediatas: rejeição da proposta de audiência a
uma delegação dos trabalhadores, encabeçada pelo seu Presidente da Comissão de
Trabalhadores; expulsão violenta, das instalações do Quartel-General, do
referido representante dos trabalhadores, seguida da sua detenção e posterior
transferência para a prisão de Custóias, onde permaneceu cerca de quinze dias; mobilização
popular de uma contra manifestação, organizada ao fim da tarde, com intervenção
de forças civis adversas, em conluio com forças militares, para hostilizar e
dispersar os trabalhadores; transferência secreta, durante a noite, da prisão
de Custóias para a prisão de Caxias, do Administrador detido, onde permaneceu
até perfazer cerca de dez meses, acabando por ser libertado sem qualquer culpa
formada e sem julgamento; ocupação militar das instalações da empresa, em S.
João da Madeira, no início da manhã do dia seguinte, por militares armados;
suspensão das funções dos membros do Conselho de Administração da empresa e
nomeação duma comissão de gestão, de cariz militar; congelamento de todas as
contas bancárias da empresa e das contas pessoais de todos os seus Administradores
e Procuradores. Os meses que se seguiram a estes acontecimentos, com a presença
dos militares na gestão da empresa, organização de “campanhas de mentalização
ideológica” junto dos trabalhadores por elementos da “célebre” 5.ª Divisão do
MFA - Movimento das Forças Armadas, ameaças veladas de saneamentos, inquirições
pessoais improvisadas, tentativas de confrontação entre trabalhadores afastando
uns e promovendo outros para os seus lugares… geraram um clima de desconfiança
e mal-estar generalizados.
Entretanto, a situação social, política e económica do
país continuava instável e complexa, com manifestações e posições
contraditórias. Foi assim que, começando no Norte e estendendo-se depois a
quase todo o país, se gerou um fenómeno de hostilidade contra várias forças
políticas mais extremistas algumas delas com práticas e intervenções armadas;
as ações eram organizadas e participadas por grupos de cidadãos, incendiando e
destruindo as sedes dessas Organizações e impedindo a sua continuidade nas
várias localidades. Estes acontecimentos foram designados como “Verão Quente de
1975”. Algum tempo depois de todas estas ocorrências, os militares deixaram a
empresa e deu-se a retoma de funções por parte da Administração legítima
(embora sem a presença do seu Presidente, Ruy Moreira, que permanecia, incompreensivelmente,
detido). A MOLAFLEX continuava a viver uma situação de dificuldades acrescidas,
resultantes da insuficiência de encomendas, do excesso de mão-de-obra, do peso
dos encargos fixos e da degradação da sua estrutura financeira; também os
encargos financeiros atingiam valores incomportáveis, devido ao excessivo
montante do endividamento e às elevadas taxas dos juros cobrados pelos Bancos,
que chegaram a ultrapassar os 20%. Nos anos que se seguiram foi necessário
encontrar soluções de contenção e de reajustamento das estruturas da empresa,
adequando-as às realidades do mercado; a mesma exigência foi colocada quanto ao
passivo bancário, sendo elaborado um plano concreto para negociação com os
principais credores que, entretanto, veio a ser formalizado através dum
instrumento legal designado por “Contrato de Viabilização”, assinado com os
principais Bancos credores, adequando os montantes da dívida, os prazos e os juros
às previsões mais realistas da empresa.
Na mesma linha de preocupação sobre o futuro da empresa,
os principais acionistas decidiram negociar com o empresário Jorge Melo (Ex -
CUF) a sua entrada num aumento do capital da MOLAFLEX, sendo este realizado
através da mobilização de “Títulos de Indemnização” por ele detidos, como
resultado das indemnizações atribuídas pelo Estado em consequência das
nacionalizações de várias empresas que pertenciam à “Família Melo”. O montante
subscrito no aumento de capital da empresa foi aplicado na redução do seu
passivo bancário, aliviando assim, os correspondentes encargos financeiros. Fruto
dessa parceria o novo acionista entrou para a empresa em Maio de 1982, com o
direito a nomear três Administradores. O novo Conselho de Administração passou
a ser constituído por elementos de ambos os grupos mas sem a participação
direta do Senhor Ruy Moreira. Mesmo assim os anos que se seguiram não foram
fáceis: a empresa continuava com uma atividade reduzida, com escassez de
encomendas, e, apesar de terem sido introduzidos alguns reajustamentos, quer na
redução do número dos seus efetivos quer na sua estrutura geral, os resultados
mantinham-se insuficientes. Esta parceria durou até finais do ano de 1987,
altura em que, segundo o contrato existente, o Senhor Ruy Moreira decidiu “readquirir uma posição acionista
rigorosamente paritária em relação ao outro grupo acionista” e retomar a
correspondente posição na gestão da empresa. Concluídas tais negociações,
ficaram reunidas as condições para vender a maioria do capital da empresa a um
Grupo Francês, denominado Bertrand Faure, com o qual já existiam outras
participações de capital, conjuntas, em duas sociedades portuguesas (FLEXIPOL e
GAMETAL). Este Grupo exercia uma atividade industrial semelhante à da MOLAFLEX
(nomeadamente: fabrico de colchões de molas e bancos para automóveis), embora
com uma dimensão e um volume de negócios bastante superiores. Nesta altura a
MOLAFLEX já tinha entrado no mercado de exportação e, desta forma, o Grupo
Francês agregou um concorrente, passando a ter uma posição internacional mais
abrangente.
No início de 1988 o Grupo Bertrand Faure assumiu, então,
o controle e a gestão da empresa, na posição de principal acionista (mais de
90%), vindo mais tarde a adquirir, por direito, o restante capital, atingindo
os 100%. O Senhor Ruy Moreira apesar de ter deixado de pertencer à MOLAFLEX
disponibilizou sempre aos novos proprietários, com os quais mantinha, desde há
muito, uma grande proximidade, toda a melhor colaboração e apoio. Certamente
que nas suas principais preocupações aquando da alienação da empresa, teve
sempre presente a garantia da continuidade laboral em Portugal e a manutenção
dos postos de trabalho. De facto, assim aconteceu. Tratando-se de um Grupo
internacional altamente credenciado, conhecedor do ramo de negócio,
concretamente do mercado da indústria automóvel desencadeou, de imediato,
várias ações importantes para o relançamento da empresa, nomeadamente:
saneamento financeiro, com um significativo aumento de capital; diminuição do
endividamento bancário e dos juros suportados; reestruturação dos vários
Serviços, atribuindo maior autonomia e responsabilidade a cada área de
atividade; aquisição de novos equipamentos e reconfiguração do “layout” industrial; articulação da
dinâmica comercial estabelecendo uma política conjunta inter-grupo;
disponibilização de “know-how”;
certificação de qualidade a nível internacional e junto dos principais
construtores mundiais do ramo automóvel… Estavam garantidas as condições para o
desenvolvimento efetivo da empresa que, em 1989, passou a denominar-se:
BERTRAND FAURE PORTUGAL, SA. A internacionalização da empresa e do seu capital
representaram uma mais-valia muito significativa, de tal maneira que,
decorridos poucos anos, readquiriu a necessária saúde económica e financeira,
passou a gerar resultados altamente favoráveis, aumentou o número de
trabalhadores e, dentro do conjunto do GRUPO BERTRAND FAURE, granjeou um
estatuto de prestígio tecnológico, de gestão e de rácios de rentabilidade
destacáveis. A dinâmica introduzida pelo GRUPO BERTRAND FAURE nesta empresa
Portuguesa, acompanhou o crescimento do próprio Grupo a nível internacional,
com uma forte aposta no ramo automóvel. Com este objetivo foram destacados e
vendidos os negócios e participações em empresas cujas atividades não se
enquadravam nesse ramo, tanto em França como em Portugal.
As alienações em Portugal foram: atividade de colchoaria, a um Grupo Espanhol, após ter sido
constituída uma empresa autónoma designada MOLAFLEX COLCHÕES, SA; atividade de
molas técnicas, a um grupo Alemão, depois de ter sido constituída uma empresa
autónoma designada MOLTEC, Ld.ª; participação na empresa FLEXIPOL, a um grupo
Espanhol; participação na empresa GAMETAL a um Grupo Alemão. Todas estas
empresas continuaram a desenvolver as suas atividades em Portugal, gerando
emprego e criando riqueza no país. Os valores resultantes das alienações foram
totalmente reinvestidos em Portugal no desenvolvimento da atividade relacionada
com a indústria automóvel, na qual o Grupo decidiu concentrar toda a sua atividade.
Ainda nesta linha de crescimento o Grupo BERTRAND FAURE e o Grupo ECIA, ambos
Franceses (este último ligado à multinacional Francesa PSA - PEUGEOT/CITROEN)
acertaram em efetuar uma fusão, dando lugar ao nascimento do Grupo FAURECIA;
este Grupo, com sede em França, pela sua dimensão passou a ser o maior produtor
europeu de bancos e outros componentes para a indústria automóvel, sendo,
simultaneamente, o quinto maior Grupo mundial nesse ramo. Foi neste contexto
que, no ano 2000, a sua principal empresa em Portugal, alterou a sua designação
social para: FAURECIA - ASSENTOS DE AUTOMÓVEL, LDA., com sede em S. João da
Madeira, denominação que ainda hoje se mantém. Para além desta empresa, o Grupo
FAURECIA, constituiu em Portugal mais quatro entidades: SASAL, em Vouzela; EDA,
em Nelas; FAURECIA ESCAPES, em Bragança e FAURECIA COMPONENTES, em Palmela.
Neste conjunto de cinco empresas o Grupo FAURECIA empregava em Portugal mais de
2.500 trabalhadores. Para além destas empresas, o Grupo FAURECIA detinha ainda,
em várias parcerias, outros investimentos em empresas portuguesas, todos
ligados ao ramo automóvel.
É
também de salientar a atividade empresarial continuada pelo Senhor Ruy Moreira
no período pós MOLAFLEX, mantendo participações sociais em cerca de doze
sociedades, com atividades diversas nos ramos Imobiliário, Serviços e Comércio.
A fim de agregar e gerir essas sociedades foi constituída uma “Holding Familiar”,
denominada MORIMOR – Sociedade de Controlo Moreira, Ld.ª (SGPS), com sede em
Milheirós de Poiares, sendo essa a sua “atividade principal” em 01/01/1995.
A Memória perdurará!
Notas
finais:
1.
A elaboração deste
trabalho (cujas citações utilizadas
tiveram origem em documentos antes publicados e em outras informações de acesso
restrito) constitui uma singela homenagem à Memória do Senhor RUY HÖFLE DE
ARAÚJO MOREIRA, versando, sobretudo, os seus “carismas” como Empresário e como Gestor; foi dado especial
destaque ao seu empenho e dedicação na atividade desenvolvida ao serviço das
Empresas do GRUPO MOLAFLEX, tão marcante na vida e na memória de muitos
Milheiroenses que ali foram acolhidos e onde trabalharam, de forma apaixonada,
durante longos anos;
2.
Existem, contudo,
muitas outras facetas importantes da vida do Senhor RUY MOREIRA a merecerem
realce, nomeadamente: compromisso familiar; empenhamento cívico e político;
ação social com pessoas e instituições; participação ativa em várias
Associações Industriais, Comerciais e Culturais; atividade desportiva como
praticante de Vela, dirigente associativo e organizador de várias provas
nacionais e internacionais; e tantas outras Instituições, Empresas, Fundações e
Associações de que foi fundador e dinamizador;
3.
Fica lançado o desafio:
“porque a Vida não acaba, apenas se
transforma”; e a Memória continua a ser o garante dessa Esperança.
Janeiro de
2015
Eugénio Resende de Bastos
Email: er.bastos@sapo.pt